sábado, abril 19, 2008

Zendagi migzara

"Afinal de contas, a vida não é um filme indiano. Zendagi migzara, como os afegãos tanto gostam de dizer. A vida continua, sem se preocupar com começos, finais, kamyab, nah-kam, crise ou catarse; apenas seguindo em frente, como uma caravana de kochis, lerda e empoeirada."


Khaled Hosseini in O Caçador de Pipas

terça-feira, abril 08, 2008

Fragmentos

A expressão vocabular humana não sabe ainda, e provavelmente não o saberá nunca, conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto é humanamente experimentável e sensível...

Perder tempo a explicar porque se gosta, seria pouco menos que inútil, há coisas na vida que se definem por si mesmas, um certo homem, uma certa mulher, uma certa palavra, um certo momento...

(...)Dorme, eis uma palavra que aparentemente não faz mais do que expressar uma verificação de facto, e contudo, em cinco letras, em duas sílabas, foi capaz e traduzir todo o amor que em um certo momento pôde caber num coração. Convém dizer, para a ilustração dos ingênuos, que, em assuntos de sentimento, quanto maior for a parte da grandiloqüência, menor será a parte de verdade.

Tornar a ser véspera, ao menos por uma hora, é o desejo impossível de cada ontem que passou e de cada hoje que está passando. Nenhum dia conseguiu ser véspera durante todo o tempo que sonhava...

(...) Conheço essas lágrimas que não caem e se consomem nos olhos, conheço esta dor infeliz , esta espécie de felicidade dolorosa, esse ser e não ser, esse ter e não ter, esse querer e não poder...

(...)o meu problema é distinguir entre aquelas porque ainda vale a pena lutar e aquelas que devem ser deixadas ir sem pena, Ou com pena... Diz-se que o tempo tudo cura, Não vivemos bastante para lhe tirar a prova...

Jose Saramago in A Caverna

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Carta de Nietzche para Lou Salomé

Cara Lou,

(...) Tens em mim o maior defensor, mas também o mais impiedoso juiz... De volta a Orta, decidira revelar toda a minha filosofia a ti. Oh! Não tens idéia do vulto dessa decisão: acreditei que não podia ter presenteado melhor a ninguém...
Naquela época, eu tendia a considerar-te uma visão e manifestação do meu ideal terreno. Por favor, observa que tenho uma péssima visão!
Penso que ninguém consegue pensar melhor em ti, mas tampouco pior.
Caso tivesse te criado, conceder-te-ia melhor saúde e muito além daquilo que é bem mais valioso... e talvez um pouco mais de amor por mim (embora isto não tenha a menor importância) e o mesmo se daria com o amigo Rée. Nem contigo nem com ele consigo proferir uma só palavra sobre questões de meu coração. Imagino que não tens idéia do que desejo? – mas este silêncio forçado é quase sufocante, porque gosto de vocês.

FN


*Carta de Frederich Nietzche para Lou Salomé de dezembro de 1882


Gibran à sua amada Mary Haskell

Eu fui tocado pela sua presença desde a primeira vez que a vi; (...) e na medida que conversávamos, sentia-me melhor e melhor. Quando fui pela primeira vez até a sua casa, senti que a atmosfera do lugar - os livros, a maneira de arrumar a casa - tinha uma profunda identificação comigo. Gostei da maneira como conversamos, e do jeito suave com que você me fez falar de mim mesmo.
Você fez muitas perguntas, e algumas vezes me senti encabulado; mas, graças ao seu espírito e inteligência, terminei contando tudo que queria saber.
As outras pessoas me acham interessante. Elas gostam de me ver falar, porque eu sou uma pessoa diferente. (...)Você, entretanto, foi capaz de arrancar o que havia de profundo em mim, sentimentos que raramente compartilhei com alguém. Isto foi ótimo -e continua sendo.
(...)Fui a Paris, sempre tendo ao meu lado a sua imagem, sua fé, e sua ternura.(...)Mesmo com você distante, sua presença me acompanhava por ruas, praças, e cafés.
Então eu lhe pedi em casamento. A partir deste dia, você começou a ferir-me. E continuou me ferindo(...)
Eu precisava me proteger, e passei a dizer a mim mesmo: “qualquer relação mais íntima com esta mulher é impossível.”. Claro que esta estratégia não funcionou, nem mesmo quando eu lhe disse o que acontecia comigo.
(...)Tudo que estou contando, é apenas para que saiba como vi os nossos primeiros anos juntos. As coisas mais profundas jamais mudaram; a identificação que tive, o reconhecimento, a paixão do primeiro encontro - tudo isto continua igual, e assim continuará para sempre. Eu a amarei por toda a eternidade, como já a amava muito antes de vê-la pela primeira vez, e chamo isto de Destino.
Nada pode nos afastar; nem eu, nem você podemos mudar esta relação. Eu quero que você se lembre pelo resto dos seus dias, que você é a pessoa mais importante do meu mundo. Que, mesmo que você casasse sete vezes, com sete homens diferentes, tudo continuaria igual em meu coração...

Kahlil Gibran

*Trechos de uma carta do acervo da correspondência (1908-1924) trocada entre Kahlil Gibran e Mary Haskell